Ricardo Araújo Pereira em entrevista ao Diário de Notícias da Madeira
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Jun09
Cortar na Cultura ajudará a ficar até 2015, ironiza 'Gato' |
"É mais fácil controlar um povo sem Cultura do que um povo com Cultura" |
Data: 30-05-2009 Comentários: 7 |
Ricardo Araújo Pereira, o mais mediático dos elementos do 'Gato Fedorento', suspeita que pode haver uma ligação entre os cortes do Governo Regional da Madeira na Cultura e a notícia de que Alberto João Jardim poderá ficar no poder até 2015. Num registo sempre mordaz, o humorista diz, em entrevista ao DIÁRIO, que as duas coisas estão relacionadas: "As duas notícias - cortar na Cultura e avançar até 2015 - aparentemente vêm a par, não é? Provavelmente, quanto mais Cultura, menos votos em quem quer ir até 2015, é possível que isso seja assim, não quer dizer que é óbvio que seja assim, mas pode ser, pode ser". E o autor, que está na Madeira para participar no domingo na Feira do Livro no Funchal, vai mais longe: "É mais fácil controlar um povo sem Cultura do que um povo com Cultura. (...) É de facto triste. O orçamento da Cultura é sempre o que é menos avantajado, se ainda por cima estão a reduzi-lo para metade, isso parece-me trágico. Não sei que lhe diga... sei que vai haver dinheiro para o Carnaval, isso vai haver. Para o 25 de Abril nunca há, eu acompanho as comemorações do 25 Abril na Madeira, que nunca existem". E ironizou: "Eu tenho a certeza - e já defendi isso e escrevi sobre isso - se o Salgueiro Maia tem chegado ao Largo do Carmo vestido de Shaka Zulu, eu acho que festejavam. Agora, como foi só para dar a liberdade, eu acho que não há tanta vontade". Até 2015: "Há ditadores que não duram tanto" A eternização no poder é um assunto delicado para Ricardo Araújo Pereira: "Até 2015? Há ditadores que não duram tanto, não é... Mas, você que diga, os madeirenses continuam a votar nele [Alberto João Jardim], o que é que se vai fazer? Não se pode fazer nada... Até 2015? São mais seis anos... ele está desde 1977... é dose... são muitos anos, mas vocês é que sabem no que é que se estão a meter, não tenho nada a ver com isso. Se quiserem votar nele, sim senhor". Atento à realidade regional, o humorista acha engraçado o facto de não serem precisas sondagens na Madeira: "Há uma coisa que fiquei espantado. Eu já estive na Madeira em outras vezes, calhou vir cá numa vez em que havia eleições e eu liguei a TSF-M, aluguei um carro e estava a ouvir a rádio... e uma coisa que me surpreendeu foi: não há sondagens na Madeira, só porque não é preciso, porque toda a gente sabe quem vai ganhar, não faz sentido... 78 % e tal... não é preciso. No continente, procura-se saber a intenção de voto neste partido ou naquele partido... cá, não é preciso, toda a gente sabe qual é a intenção de voto esmagadora das pessoas". Sobre o 'sketch' da entrevista a Jardim, Ricardo Araújo Pereira fala do 'dia seguinte': "O chefe de gabinete ou director de comunicação do Governo Regional da Madeira disse, em resposta a isso, que o presidente do Governo Regional não tinha visto porque não vê programas sem nível cultural, o que significa que Alberto João Jardim não vê a televisão portuguesa, de todo. E, portanto, ele não viu o 'sketch', e isso faz com que eu possa andar nas ruas da Madeira mais à vontade, assim ele não tem vontade de me bater nem de me aparecer vestido de zulu", disse, em tom de brincadeira. Elogiando a Feira do Livro do Funchal, disse que o único conselho que pode dar a quem quer se aventurar na escrita é... ler, e muito, já que entende que é a melhor forma de alguém se ir cultivando. Leia agora as principais 'tiradas' do humorista durante a entrevista, na coluna ao lado, em que fala sobre o seu 'Governo Sombra' da TSF, da televisão, das pressões e até do Ministro da Cultura. Directas & indirectas "Tenho de fazer uma declaração de interesses que é a seguinte: ouço toda a gente a dizer que 'o Ministro da Cultura não apoia e não sei quê'... devo dizer que gosto do Ministro da Cultura porque ele era o meu advogado, o nosso advogado ['Gato Fedorento'], foi ele que me livrou de processos, que me ganhou indemnizações, já saquei óptimas indemnizações do Ministro da Cultura, obviamente não vou dizer mal deste homem... nem sei bem o que ele está a fazer, mas o trabalho dele é óptimo". "Eu estava à espera que ninguém ouvisse rádio. Mas tenho muita gente a vir dizer-me que ouve aquilo ['Governo Sombra', na TSF], o que me surpreende, o que significa que tenho de me documentar antes de ir para ali. Mas estou contente com a companhia. Gosto do Pedro Mexia e do João Miguel Tavares, são dois reaccionários pelos quais eu tenho muita simpatia". "Nós soubemos que o Pinto da Costa telefonou para a televisão a protestar por causa de um 'sketch', por causa do qual nos processou mais tarde, soubemos muito depois que havia mais telefonemas dos partidos a tentar saber o que ia aparecer no 'Gato Fedorento' do que ia aparecer no telejornal. Portanto, o director do nosso programa sempre nos protegeu dessa pressão". "Sobre a falta que a gente ['Gato Fedorento'] faz, às vezes ficava perturbado quando diziam... às vezes as pessoas aproximavam-se de nós - e vi isso escrito em jornais e tudo - que diziam: 'Vocês são a oposição ao Governo'. Quer dizer, o país está perdido se nós somos oposição ao Governo [risos]. Quer dizer, se não há ninguém, além de quatro palermas, para fazer oposição ao Governo... além de que essa não é a nossa vocação, como lhe disse, levamos muito a sério o nosso trabalho, que é fazer rir as pessoas". "A única coisa que há e que me relaciona com a revolução é, de facto, o facto de eu ter nascido três dias depois [do 25 de Abril de 1974] e por isso não ter vivido um único dia sem liberdade e isso é fundamental (...) A Revolução para mim é uma espécie de cunha: se não fosse a Revolução eu não poderia ter o emprego que tenho. (...) Não há nada de político a nortear aquilo que faço, aquilo me interessa: fazer rir as pessoas". Políticos, jornalistas e afins não escapam às 'Bocas' do inferno "Quando o Presidente da República apelou aos cidadãos para que não fossem de férias no fim-de-semana das eleições europeias, cheguei a pensar que, tomado pelo espírito europeu, Cavaco Silva estivesse a falar na qualidade de Presidente de outro país da União Europeia. No nosso, o pedido vai fazendo cada vez menos sentido: os desempregados, por definição, não têm férias; para os trabalhadores da Qimonda e da Auto-Europa, em princípio, a opção de tirar férias não será prudente; e os precários, os temporários e os endividados, provavelmente, não têm o desafogo financeiro que as férias, mais ou menos, requerem. O mais provável é que não haja assim tanta gente de férias no dia 7 de Junho. Infelizmente, também não é provável que haja muita gente a ir votar" (Ricardo Araújo Pereira , na Visão, 28 de Maio). "Os calvários do PS são razoavelmente monotemáticos, mas muito eficazes: Sócrates enfrenta uma campanha negra; Vital arrisca ficar todo negro durante a campanha" (idem, ibidem, 7 de Maio). "Manuela Ferreira Leite percebeu esta semana que, quando faz conferências de imprensa, ninguém liga, mas quando o Kalu canta uma canção, vem na primeira página do Público. Deve doer" (idem, ibidem, 23 de Abril). "De todas as classes profissionais, nenhuma terá tanta razão de queixa dos jornalistas como os próprios jornalistas. Os jornalistas podem desconfiar dos políticos, desprezar os empresários, maldizer os artistas - mas quem eles detestam mesmo são os outros jornalistas" (idem, ibidem, 2 de Abril). |
João Filipe Pestana |